sábado, 4 de maio de 2019

A Conquista de Santarém

 D. Afonso Henriques conquista Santarém aos Mouros 


A conquista de Santarém era uma pretensão antiga de D. Afonso Henriques. A importância da vila, a fertilidade dos seus campos e os danos que os Mouros faziam a partir dali às nossas terras vizinhas despertavam cada vez mais mais os seus desejos.Porém, a dificuldade da missão, quer pela força do lugar, quer pela abundância de pessoas e mantimentos, faziam-no adiar tal empreendimento.

A sua grande vontade e determinação não lhe permitiram contudo esperar muito mais tempo, e no início  do ano de 1147 resolveu avançar!  

Conquistar  a estratégica vila se tornou fundamental naquele verão, Afonso tinha conhecimento que os cruzados, que o haveriam de ajudar a tomar Lisboa, chegariam naquele mês,  mas Lisboa seria muito mais fácil de conquistar, se Santarém já estivesse em mãos portuguesas. Por um lado, os mouros de Lisboa não poderiam contar com reforços vindos daquele lado; por outro, seriam os portugueses que controlariam o tráfego no rio Tejo.
A conquista de Santarém teria, por isso, de ser rápida, não havia tempo para cercos demorados.   

Para tal ordenou a Mem Moniz, filho de Egas Moniz, cavaleiro esforçado e prudente, digno de confiança ( a Monarquia Lusitana chamava-o Mem Ramires) que fosse a Santarém e, com o pretexto de tratar de assuntos de paz com o alcaide, com quem existiam tréguas, visse e examinasse a forma e lugar mais vulnerável a um ataque.

Mem Moniz desempenhou bem a sua Missão e, regressando a Coimbra, onde se encontrava o Rei e o seu exército, lhe confidenciou todos os detalhes, facilitando a execução do plano, e voluntariou-se para ser o primeiro a atravessar as muralhas da vila com o seu estandarte.

O rei ficou satisfeitissimo com as informações e, reconhecendo a importância de manter o sigilo nada comunicou ao Conselho, mas num passeio vespertino ao longo do Mondego abordou D. Lourenço Viegas Espadeiro (filho de D. Egas Moniz), D. Gonçalo Mendes Sousão e D. Fernão Peres Cativo, todos grandes amigos do rei, foram os únicos barões a quem ele confiou os seus planos.

            Aos três amigos, o monarca anunciou:

            - Chegou a altura de vos expor o plano de ataque a Santarém.

- Já há um plano? - admirou-se Lourenço.

- A expedição terá lugar daqui a um par de semanas - explicou o rei. - Combinei tudo com os cavaleiros de Coimbra, os cavaleiros vilãos dos concelhos e os Templários de Soure.

            Os três entreolharam-se estupefactos. Gonçalo ironizou:

            - Mas que honra que nos conferis, a mim e a D. Lourenço! Entre a nobreza do norte, somos os primeiros a ser informados.

            - Sois os primeiros e sereis os únicos - ripostou Afonso, que já contara com uma reacção daquele tipo.

Como representante de uma das famílias mais poderosas de Entre Douro e Minho, era natural que o Sousão se sentisse, por um lado, ofendido por não ter colaborado na execução do plano, por outro, desconfiado por não ver ali os outros barões. Na verdade, Afonso tinha hesitado em convocá-lo. Mas Gonçalo Mendes iniciara-o na arte de combater, contribuindo, como poucos, para fazer dele um guerreiro. Além disso, tinha sido genro de Egas Moniz, ao ter casado com a entretanto falecida Dórdia Viegas, e a filha de ambos, Teresa Gonçalves, fazia parte do círculo restrito da rainha.

            - Trata-se de um ataque surpresa - esclareceu o rei. - Quanto menos gente ficar a saber, melhor. A penetração na cidade acontecerá durante a noite, bem à maneira das milícias vilãs, que usam este truque nos seus fossados. Os barões do norte dificilmente aceitariam em participar num empreendimento deste tipo.

            - Tendes de concordar - atalhou Lourenço - que não é uma maneira muito nobre de fazer guerra.

- Mas necessária, neste caso. A conquista de Santarém é imprescindível para que tenhamos sucesso no ataque a Lisboa, pois permite-nos controlar o Tejo e cortar o abastecimento. E tudo terá de ser resolvido, antes da chegada dos cruzados.

- As povoações de fronteira usam subterfúgios destes, nos seus ataques aos mouros. Truques, aliás, que aprenderam com os próprios infiéis. No fundo, aprenderam uns com os outros, pois constantemente se fazem razias de parte a parte. E esqueceis que o meu próprio primo, o imperador de toda a Hispânia, se serviu de um ataque surpresa em Calatrava, há coisa de um mês, em pleno Inverno, altura normalmente reservada às tréguas? Foi bem sucedido e a Cristandade aplaude. Também a conquista de Santarém representará uma vitória de cruzada, que o próprio Papa reconhecerá.

Depois de um curto silêncio, Lourenço perguntou:

- Falastes dos Templários de Soure. Eles já deram o seu acordo?

- Claro. Estão desejosos de vingar o ataque de há três anos. Conseguiram salvar o castelo, mas os mouros devastaram a região.

Afonso deu-lhes mais algum tempo de reflexão e inquiriu, depois:

- Achais que ides manchar a vossa honra, lutando ao lado das milícias vilãs, mesmo quando o vosso próprio rei não hesita em fazê-lo?

- Certamente que não - replicou Fernão Peres Cativo. - Sabeis que podeis contar comigo, para o que der e vier.

- Comigo também - anunciou Lourenço, filho de Egas Moniz. - Sois como um irmão para mim e ser-vos-ei fiel até ao meu último suspiro.

Afonso olhou-o emocionado. E também  o Sousão acabou por lhe confirmar a sua fidelidade.
Logo depois, El Rei iniciou a execução do plano seleccionando 250 cavaleiros, todos experientes e cujo valor era reconhecido, e providenciou os mantimentos necessários. Partiu de Coimbra a uma segunda-feira de Março por caminhos pouco usados, para que nem os seus, e muito menos os mouros pudessem perceber o seu destino.

Na primeira noite acamparam em Alfafar e, na segunda em Codornellas. Daqui enviou um emissor a Santarém informar o alcaide do fim das Tréguas. Naquele tempo era normal quebrar a trégua acordada, desde que o fim fosse declarado com 3 dias de aviso.

O Cavaleiro cumpriu diligentemente a sua tarefa pelo que, na quarta-feira à noite já havia regressado ao acampamento. No dia seguinte, de madrugada partiram para a Serra de Albardos, onde chegaram ainda cedo ...

Conta-se que neste lugar, o Rei prometeu que se Deus lhe concedesse o exito na conquista de Santarém , ele edificaria um grande templo e mosteiro para os religiosos da congregação do seu servo Bernardo, abade de Claraval, e lhe daria todas aquelas terras dali até ao mar. O que depois cumpriu construindo o majestoso convento de Alcobaça e dando-lhe grande extensão de terras com muitas vilas e lugares.

O Rei esperou até à noite de quinta-feira na Serra de Albardos, saindo para a mata de Pernes onde chegou ainda antes do nascer do sol. Neste lugar, já perto de Santarém, o Rei comunicou as suas intenções ao seu exército, salientando a honra e a importancia da Missão. Recordou-lhes a recente vitória nos campos de Ourique contra cinco reis Mouros, e assegurou-lhes que o triunfo era inevitável, pois se tinham vencido contra tão forte e poderoso exército, nenhum outro lhes conseguiria resistir.

Elogiou-lhes a vontade de avançar de imediato para a batalha, que os seus rostos deixavam transparecer, e pediu-lhes que entre eles separassem 120 homens, e que fizessem 10 escadas, uma para cada 12 homens, para que quando subissem aos muros, 10 soldados ocupassem de imediato o topo e, dessa forma, facilmente aguentassem o combate até dar tempo aos restantes para entrar. Pediu ainda que os primeiros a subir levantassem logo o estandarte real, para motivar os companheiros que o avistassem e levar o desanimo aos inimigos e, porque era de esperar que os Mouros estivessem desprevenidos e desarmados, que os matassem a todos pela espada sem perdão.

Os cavaleiros escutaram com atenção e júbilo as palavras do Rei e todos manifestaram o desejo de participar e de serem os primeiros a atacar, mas quando perceberam que o Rei participaria ao seu lado, assustados pelo perigo a que ele se arriscava, logo tentaram dissuadi-lo dizendo-lhe que, se fossem eles os derrotados, nem os inimigos ganhariam tanta honra nem o reino se perderia, mas que se ele se arriscasse tudo se poderia perder ...

O rei respondeu que nunca e em circunstância alguma ele abandonaria os seus, e que onde fossem Portugueses arriscar as suas vidas em nome de Deus e da Pátria não poderia o seu Rei ficar atrás!

E escureceu a noite de sexta-feira, mandou el rei montar a Cavalo e partiram para Santarém em silêncio.

Próximo da vila meteram-se por um vale, tão perto dos muros, que podiam escutar os vigias Mouros, quando uns despertavam outros. Aqui permaneceram algum tempo, com os cavalos seguros pela rédea, aguardando o melhor momento para o ataque. Deixando os pagens com os cavalos no vale, partiu o Rei com os seus guerreiros pela fonte de Atamarma. Na dianteira seguia Mendo Moniz, que melhor conhecia o terreno, e logo depois el-rei com o resto da gente. Chegando à parte da muralha menos vigiada, por onde pretendiam escalar, ouviram falar dois mouros na mudança de turno acordando os vigias anteriores. Assim, tiveram de adiar o ataque, esconderam-se nos campos de trigo aguardando que os vigias adormecessem novamente.

Passado pouco tempo, colocaram a primeira escada. Afonso Henriques, era o primeiro a subir com o punhal preso entre os dentes. Parava, escutava, com o olhar agudo, a respiração suspensa: afinal pousava ansioso o pé entre as ameias, e, apertando o punhal nas mãos, cosia-se com os muros. Na sombra não o distinguiam. Caiu sobre o sentinela, e o apunhalou antes que esse pudesse gritar.


- "Manhu? Manhu? (Quem é? Quem está aí?)". Quando perceberam que estavam a ser atacados, gritaram: "Anaçara! Anaçara! (Nazarenos! Nazarenos!)".

Mem Ramires respondeu com o grito de guerra :
- "Santiago e rei Afonso!".

Os Mouros acorreram a todas as portas lutando e defendendo-se com todas as forças que tinham, colocando por vezes em duvida a nossa vitória. Os nossos também tiveram de usar de todas as suas forças e de todo o seu valor, para vencer a oposição dos Mouros, mas eram Portugueses os que ali estavam e com eles estava D. Afonso Henriques. Finalmente, os Mouros que restavam refugiaram-se no Alfam mas foram logo encontrados e tiveram de se render ...

Nesta altura, entre os Mouros existia apenas confusão e espanto em toda a parte, vendo os seus inimigos ocuparem a vila já vencedores: as trevas da noite, os lamentos e prantos das mulheres, os gritos dos fugitivos, o horror da morte, tudo aumentava a perturbação e a desordem. A resistencia tinha cessado, todos os que escaparam à morte estavam presos, e os despojos da vila foram abundantes.

O Alcaide conseguiu escapar-se e, juntamente com outros três cavaleiros, seguiu para Sevilha lamentando-se da perda da sua gente e do lugar.

Assim foi conquistada Santarém no ano de 1147 num sábado de madrugada, sendo esta expedição um dos mais assinalados feitos militares até então, pois com apenas 250 soldados, el rei D. Afonso Henriques conquistou um lugar fortissimo por natureza e arte e defendida por um exército numeroso e experiente na guerra.


Um comentário:

  1. A parte mais bonita:"O rei respondeu que nunca e em circunstância alguma ele abandonaria os seus, e que onde fossem Portugueses arriscar as suas vidas em nome de Deus e da Pátria não poderia o seu Rei ficar atrás!"

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