quarta-feira, 8 de maio de 2019

Isabel de Portugal: a portuguesa que foi Rainha de Espanha e Imperatriz da Alemanha.

Foi Rainha de Espanha e Imperatriz da Alemanha e era também considerada uma das mulheres mais belas e cultas da Europa. Falamos de Isabel de Portugal.

Filha do rei D. Manuel I e da rainha D. Maria, sua segunda mulher, Isabel nasceu em Lisboa, no dia 25 de Outubro de 1503. Imperatriz perfeitíssima lhe chamaram mais tarde os cronistas espanhóis. Numa Europa repleta de grandes convulsões politicas, religiosas e sociais, ela soube ser a mulher e a colaboradora do poderoso Carlos V. A sua beleza não foi um mito – basta olhá-la, serena e majestosa, pintada por Ticiano.

As primeiras negociações sobre o enlace entre D. Isabel e o imperador Carlos V (hoje as revistas diriam “o casamento do século”!) começaram no Outono de 1522, entre D. João III, seu irmão, e a corte espanhola. Ficaram acordados dois casamentos, o de D. João III com Catarina, irmã de Carlos e o de Isabel de Portugal com o imperador. O rei português casou primeiro e os trâmites para o casamento de Isabel demoraram mais uns tempos.

Nestas coisas de casamentos, não há nada como uma “fada madrinha”, e a recém-rainha de Portugal escreveu ao irmão a falar-lhe das muitas virtudes e beleza de Isabel, sua cunhada. Na Primavera de 1525, veio a Portugal o embaixador espanhol para tratar dos dois esponsais, tendo as primeiras negociações sido firmadas em 17 de Outubro de 1525. Almeinim foi o local escolhido. E aqui foi também celebrada a cerimónia do casamento, por procuração, em 23 de Outubro de 1525. Presidiu à cerimónia o bispo de Lamego, D. Fernando de Vasconcelos.

A partir daquele dia, Isabel de Portugal era já imperatriz. Houve festas e bailes e foi representada, pela primeira vez, a comédia Dom Duardos, de Gil Vicente. O dote da imperatriz foi de 900 mil dobras de ouro castelhanas, o que era uma enorme fortuna. Em Janeiro de 1526, começaram os preparativos da partida da imperatriz Isabel de Portugal para Espanha.

Com 22 anos, D Isabel parte rumo a Badajoz com uma grande comitiva. A comodidade da época não ia além de uma liteira, sendo o destino Sevilha. De Toledo, onde Carlos V tinha a corte, veio “um luzido acompanhamento”, para fazer as honras à futura imperatriz. Carlos V mandou três emissários da mais alta honorabilidade. D. Isabel chegou a Elvas no dia 6 de Janeiro, acompanhada dos irmãos, D Luís e D. Fernando. Ao chegarem à fronteira, deram-lhe por montada uma linda “faca” branca, termo que significa cavalo pequeno, leve e magro, para maior comodidade na viagem.

Entrou em Espanha no dia 7. A cerimónia de troca de séquito ocorreu na fronteira, perto do rio Caia. A lindíssima D. Isabel, serena e sem mostrar o mínimo cansaço, ouviu o irmão Luís dizer as palavras do protocolo ao duque de Calábria: “Senhor, entrego a Vossa Alteza a imperatriz minha Senhora, em nome do rei de Portugal, meu senhor e irmão, como esposa que é da cesárea majestade do imperador.” No final, em vez do protocolar beija-mão, D. Isabel quis abraçar os seus irmãos.

A viagem demorou dois meses. No dia 10 ou 11 de Março de 1526, realizou -se o casamento com os noivos lado a lado, e a cidade de Sevilha engalanou as ruas e viveu dias de grande alegria. Quem esteve presente nas bodas dos imperadores observou os recém-casados e comentou: “(…) Entre os noivos há muito contentamento, pelo menos é o que parece (…), e quando estão juntos, embora esteja muita gente presente não reparam em mais ninguém, ambos falam e riem, e nunca outra coisa os distrai”. Como alguém disse, Carlos e Isabel casaram sem se conhecer e amaram-se depois de se conhecerem.

Os noivos imperiais ficaram uns dias em Sevilha mas, para fugir ao calor, seguiram para Córdova, com destino a Granada, onde chegaram nos primeiros dias de Junho. Ficaram no Palácio do Alhambra, onde era notória a influência árabe. Os mouros de Granada ofereceram, como prenda de casamento a Carlos e Isabel, 80 mil ducados.

Carlos, atencioso e meigo, deu a Isabel, por divisa, “as três graças, tendo uma delas uma rosa, símbolo da sua formosura, um ramo de murta como símbolo do amor e a terceira uma coroa de carvalho simbolizando a fecundidade”. D. Isabel, além de ter um rosto de um perfeito oval, “olhos de garça”, cabelos longos e loiros, com uma figura “esbelta e harmoniosa”, terá percebido na lua-de-mel que a sorte a bafejara. Os noivos ficaram no Palácio do Alhambra, mas as comitivas eram tão numerosas que os familiares do lado de D. Isabel ficaram hospedados em São Jerónimo, magnífico edifício renascentista. Depois da passagem de Carlos V por Granada (onde nunca estivera), o Palácio do Alhambra sofreu beneficiações. Nestes dias de felicidade, Carlos ofereceu um cravo a Isabel, flor que na altura não era muito vulgar. E diz-se que foi por este gesto que um dos símbolos da Andaluzia e de Espanha é o “clavel”.

Em Dezembro, os imperadores partiram para Valladolid, onde chegaram no início do ano seguinte. Aqui, a imperatriz deu à luz, no dia 21 de Maio de 1527, o herdeiro do trono – Filipe (depois rei Filipe II de Espanha, Filipe I de Portugal). Sabe-se que o parto foi difícil e Isabel de Portugal sofreu muito. Como rainha, quis mostrar-se corajosa quando as dores eram quase insuportáveis. Num momento de maior sofrimento, estampado no rosto, a parteira pediu-lhe que gritasse, porque ajudava a descontrair-se, mas a imperatriz respondeu em português: “Não me faleis tal, minha comadre, que eu morrerei, mas não gritarei.”

Isabel de Portugal tinha residência própria, independente da do marido, onde viviam quarenta damas e açafatas e mais de setenta jovens, rapazes e raparigas, alguns filhos do pessoal que lidava de perto com D. Isabel. Além da morada do imperador, havia as casas dos infantes e infantas (quando já tinham idade para serem independentes), e ainda o palácio da rainha Joana, mãe de Carlos, que vivia em Tordesilhas.

Foram contemporâneos de Carlos V e de Isabel de Portugal, umas vezes inimigos e outras vezes aliados, Francisco I de França, Henrique VIII de Inglaterra – que na sua sucessão de esposas contou também com uma tia de Carlos V – Catarina de Aragão e o poderosíssimo Soleimão, o Magnífico, senhor do império otomano no seu período de apogeu.

Enquanto Carlos V estava em guerra ou a negociar tratados de paz com países ou regiões da Europa, Isabel tinha as responsabilidades de regente. O seu cargo era, como ficou escrito, “lugarteniente del reino de Castilla”. Foi regente entre 1529 e 1532 centre 1535 e 1539. Nessa qualidade, viajou bastante. Para amenizar as saudades e para tratar de assuntos importantes do império, Carlos e Isabel escreviam-se com regularidade. Por vezes, o imperador não escrevia durante meses, a ponto de preocupar a imperatriz, que numa carta lhe “ralhou”, dizendo que ao menos lhe escrevesse “todos os vinte dias”.

Devido ao clima demasiado quente de Toledo e de Sevilha, a imperatriz Isabel passava os Verões em Ávila, por ser mais ameno, pois sofreu diversas vezes de paludismo. Viajava no Outono, com regularidade, entre Toledo, Valladolid, Sevilha, Barcelona e Maiorca. Quando tinha notícia de que o marido ia regressar, mandava preparar uma recepção, com grande comitiva, mas durante o tempo em que estava sozinha com os filhos, as damas e conselheiros da corte, Isabel de Portugal fazia uma vida muito ascética.

Em 1529, nasceu a filha Maria e, mais uma vez, foi um parto doloroso e complicado. Durante os 16 anos de casamento, Carlos não procurou outra mulher, mesmo nos períodos de ausência de casa. Isabel de Portugal foi novamente mãe, em 1535. Esta filha, Joana, viria a casar com o príncipe João Manuel, filho de D. João III de Portugal e de D. Catarina. Ficou viúva e à espera de um filho, que viria a ser o malogrado rei D. Sebastião, morto em Alcácer-Quibir.

Quando Isabel de Portugal morreu de pós-parto, em 1539, o imperador estava ausente em Madrid e ficou muitíssimo amargurado. Refugiou-se no Mosteiro de Sisla, vestido de negro, cor que usou até ao fim dos seus dias. Rezava. E frequentemente os seus vassalos lhe viram lágrimas nos olhos. Temeu-se pela sua saúde, tal era o seu sofrimento pela ausência de Isabel. Para ter perto de si a imagem daquela que ele tanto amara, encomendou um retrato a Ticiano.

Era costume fazerem-se as máscaras mortuárias dos falecidos ilustres e terá sido a partir dessa máscara de cera com as feições da imperatriz que Ticiano concebeu o retrato. Quando o imperador o viu, não o achou perfeito e quis que o mestre pintor retocasse o nariz de Isabel. E assim fez Ticiano. Aliás, pintou dois quadros quase iguais. Um desapareceu, anos mais tarde, num incêndio. Resta apenas aquele que acompanhou Carlos V quando se retirou para o Mosteiro de Yuste, em 1556, e que esteve na grande exposição de Toledo, de Outubro de 2000 a Janeiro de 2001.



O Santo enfeitiçado pela beleza da Rainha

A vida de Francisco de Borja está indissoluvelmente marcada pela de Isabel de Portugal, porque este fidalgo viria a protagonizar uma história verídica, devido à morte da imperatriz. Francisco de Borja serviu na corte de Carlos V, onde conheceu a sua futura mulher, dama que foi no séquito de Isabel de Portugal. Deste casamento, nasceram 11 filhos, tendo sobrevivido oito.

Tendo a imperatriz falecido em Toledo, e estando nessa época o soberano em Granada, encarregou o Duque de Gândia, o futuro São Francisco de Borja, um dos muitos apaixonados platónicos da airosa imperatriz, de a conduzir até si a fim de a sepultar. Chegados lá, ao abrirem cerimonialmente o caixão de D. Isabel, a fim de verificarem a identidade do régio cadáver, a sua decomposição ia já avançada, destruindo a formosura da mais bonita mulher daquele tempo, segundo rezavam os literatos de então.

Segundo a lenda, perante a hedionda visão do seu cadáver descomposto o ainda Duque de Gândia, casado com a portuguesa D. Leonor de Castro, uma das suas damas, e que tanto e tão longamente amara a linda imperatriz à distância, jurou nunca mais servir a senhor humano algum, virando-se unicamente para o serviço divino; e ao enviuvar de D. Leonor, alguns anos depois, optou pela vida religiosa ingressando na Companhia de Jesus.

Ficou viúvo em 1546 e entrou para a Companhia de Jesus, tendo feito votos solenes em Fevereiro de 1548. Foi ordenado sacerdote em 1551 e viria a ser impulsionador da cristianização das colónias espanholas e do Brasil. Foi canonizado em Abril de 1671.

A última morada

Isabel de Portugal, por desejo do filho Filipe, seria trasladada, em 1574, para o Mosteiro do Escorial. Depois da morte de Isabel, Carlos V passou mais tempo isolado. Deixou pouco a pouco os negócios políticos e abdicou, em 1556, a favor do seu filho Filipe, que subiu ao trono como Filipe II de Espanha, enquanto que o seu irmão Fernando lhe sucedeu como imperador da Alemanha.

Nos seus tempos de juventude, Carlos teve uma filha, fruto dos amores por uma flamenga, Margarida Van der Gheist. Esta filha casará com um Médicis e depois, já viúva, com o duque de Parma. Já viúvo de Isabel de Portugal, aos quarenta e cinco anos, o imperador Carlos V teve uma relação amorosa com uma jovem, que lhe deu um filho – João de Áustria. No recolhimento de Yuste, Carlos V não se afastou completamente da vida política, mas levou uma vida simples. Olhando para o retrato de Isabel, terá então recordado os anos de felicidade com a imperatriz perfeitíssima.

Carlos V da Alemanha, Carlos I de Espanha morreu a 21 de Setembro de 1558. Isabel e Carlos estiveram algum tempo separados, também na morte. Mas depois passaram a repousar lado a lado, no Mosteiro de São Lourenço do Escorial, panteão dos monarcas espanhóis, mandado construir por Filipe II.

sábado, 4 de maio de 2019

A Conquista de Santarém

 D. Afonso Henriques conquista Santarém aos Mouros 


A conquista de Santarém era uma pretensão antiga de D. Afonso Henriques. A importância da vila, a fertilidade dos seus campos e os danos que os Mouros faziam a partir dali às nossas terras vizinhas despertavam cada vez mais mais os seus desejos.Porém, a dificuldade da missão, quer pela força do lugar, quer pela abundância de pessoas e mantimentos, faziam-no adiar tal empreendimento.

A sua grande vontade e determinação não lhe permitiram contudo esperar muito mais tempo, e no início  do ano de 1147 resolveu avançar!  

Conquistar  a estratégica vila se tornou fundamental naquele verão, Afonso tinha conhecimento que os cruzados, que o haveriam de ajudar a tomar Lisboa, chegariam naquele mês,  mas Lisboa seria muito mais fácil de conquistar, se Santarém já estivesse em mãos portuguesas. Por um lado, os mouros de Lisboa não poderiam contar com reforços vindos daquele lado; por outro, seriam os portugueses que controlariam o tráfego no rio Tejo.
A conquista de Santarém teria, por isso, de ser rápida, não havia tempo para cercos demorados.   

Para tal ordenou a Mem Moniz, filho de Egas Moniz, cavaleiro esforçado e prudente, digno de confiança ( a Monarquia Lusitana chamava-o Mem Ramires) que fosse a Santarém e, com o pretexto de tratar de assuntos de paz com o alcaide, com quem existiam tréguas, visse e examinasse a forma e lugar mais vulnerável a um ataque.

Mem Moniz desempenhou bem a sua Missão e, regressando a Coimbra, onde se encontrava o Rei e o seu exército, lhe confidenciou todos os detalhes, facilitando a execução do plano, e voluntariou-se para ser o primeiro a atravessar as muralhas da vila com o seu estandarte.

O rei ficou satisfeitissimo com as informações e, reconhecendo a importância de manter o sigilo nada comunicou ao Conselho, mas num passeio vespertino ao longo do Mondego abordou D. Lourenço Viegas Espadeiro (filho de D. Egas Moniz), D. Gonçalo Mendes Sousão e D. Fernão Peres Cativo, todos grandes amigos do rei, foram os únicos barões a quem ele confiou os seus planos.

            Aos três amigos, o monarca anunciou:

            - Chegou a altura de vos expor o plano de ataque a Santarém.

- Já há um plano? - admirou-se Lourenço.

- A expedição terá lugar daqui a um par de semanas - explicou o rei. - Combinei tudo com os cavaleiros de Coimbra, os cavaleiros vilãos dos concelhos e os Templários de Soure.

            Os três entreolharam-se estupefactos. Gonçalo ironizou:

            - Mas que honra que nos conferis, a mim e a D. Lourenço! Entre a nobreza do norte, somos os primeiros a ser informados.

            - Sois os primeiros e sereis os únicos - ripostou Afonso, que já contara com uma reacção daquele tipo.

Como representante de uma das famílias mais poderosas de Entre Douro e Minho, era natural que o Sousão se sentisse, por um lado, ofendido por não ter colaborado na execução do plano, por outro, desconfiado por não ver ali os outros barões. Na verdade, Afonso tinha hesitado em convocá-lo. Mas Gonçalo Mendes iniciara-o na arte de combater, contribuindo, como poucos, para fazer dele um guerreiro. Além disso, tinha sido genro de Egas Moniz, ao ter casado com a entretanto falecida Dórdia Viegas, e a filha de ambos, Teresa Gonçalves, fazia parte do círculo restrito da rainha.

            - Trata-se de um ataque surpresa - esclareceu o rei. - Quanto menos gente ficar a saber, melhor. A penetração na cidade acontecerá durante a noite, bem à maneira das milícias vilãs, que usam este truque nos seus fossados. Os barões do norte dificilmente aceitariam em participar num empreendimento deste tipo.

            - Tendes de concordar - atalhou Lourenço - que não é uma maneira muito nobre de fazer guerra.

- Mas necessária, neste caso. A conquista de Santarém é imprescindível para que tenhamos sucesso no ataque a Lisboa, pois permite-nos controlar o Tejo e cortar o abastecimento. E tudo terá de ser resolvido, antes da chegada dos cruzados.

- As povoações de fronteira usam subterfúgios destes, nos seus ataques aos mouros. Truques, aliás, que aprenderam com os próprios infiéis. No fundo, aprenderam uns com os outros, pois constantemente se fazem razias de parte a parte. E esqueceis que o meu próprio primo, o imperador de toda a Hispânia, se serviu de um ataque surpresa em Calatrava, há coisa de um mês, em pleno Inverno, altura normalmente reservada às tréguas? Foi bem sucedido e a Cristandade aplaude. Também a conquista de Santarém representará uma vitória de cruzada, que o próprio Papa reconhecerá.

Depois de um curto silêncio, Lourenço perguntou:

- Falastes dos Templários de Soure. Eles já deram o seu acordo?

- Claro. Estão desejosos de vingar o ataque de há três anos. Conseguiram salvar o castelo, mas os mouros devastaram a região.

Afonso deu-lhes mais algum tempo de reflexão e inquiriu, depois:

- Achais que ides manchar a vossa honra, lutando ao lado das milícias vilãs, mesmo quando o vosso próprio rei não hesita em fazê-lo?

- Certamente que não - replicou Fernão Peres Cativo. - Sabeis que podeis contar comigo, para o que der e vier.

- Comigo também - anunciou Lourenço, filho de Egas Moniz. - Sois como um irmão para mim e ser-vos-ei fiel até ao meu último suspiro.

Afonso olhou-o emocionado. E também  o Sousão acabou por lhe confirmar a sua fidelidade.
Logo depois, El Rei iniciou a execução do plano seleccionando 250 cavaleiros, todos experientes e cujo valor era reconhecido, e providenciou os mantimentos necessários. Partiu de Coimbra a uma segunda-feira de Março por caminhos pouco usados, para que nem os seus, e muito menos os mouros pudessem perceber o seu destino.

Na primeira noite acamparam em Alfafar e, na segunda em Codornellas. Daqui enviou um emissor a Santarém informar o alcaide do fim das Tréguas. Naquele tempo era normal quebrar a trégua acordada, desde que o fim fosse declarado com 3 dias de aviso.

O Cavaleiro cumpriu diligentemente a sua tarefa pelo que, na quarta-feira à noite já havia regressado ao acampamento. No dia seguinte, de madrugada partiram para a Serra de Albardos, onde chegaram ainda cedo ...

Conta-se que neste lugar, o Rei prometeu que se Deus lhe concedesse o exito na conquista de Santarém , ele edificaria um grande templo e mosteiro para os religiosos da congregação do seu servo Bernardo, abade de Claraval, e lhe daria todas aquelas terras dali até ao mar. O que depois cumpriu construindo o majestoso convento de Alcobaça e dando-lhe grande extensão de terras com muitas vilas e lugares.

O Rei esperou até à noite de quinta-feira na Serra de Albardos, saindo para a mata de Pernes onde chegou ainda antes do nascer do sol. Neste lugar, já perto de Santarém, o Rei comunicou as suas intenções ao seu exército, salientando a honra e a importancia da Missão. Recordou-lhes a recente vitória nos campos de Ourique contra cinco reis Mouros, e assegurou-lhes que o triunfo era inevitável, pois se tinham vencido contra tão forte e poderoso exército, nenhum outro lhes conseguiria resistir.

Elogiou-lhes a vontade de avançar de imediato para a batalha, que os seus rostos deixavam transparecer, e pediu-lhes que entre eles separassem 120 homens, e que fizessem 10 escadas, uma para cada 12 homens, para que quando subissem aos muros, 10 soldados ocupassem de imediato o topo e, dessa forma, facilmente aguentassem o combate até dar tempo aos restantes para entrar. Pediu ainda que os primeiros a subir levantassem logo o estandarte real, para motivar os companheiros que o avistassem e levar o desanimo aos inimigos e, porque era de esperar que os Mouros estivessem desprevenidos e desarmados, que os matassem a todos pela espada sem perdão.

Os cavaleiros escutaram com atenção e júbilo as palavras do Rei e todos manifestaram o desejo de participar e de serem os primeiros a atacar, mas quando perceberam que o Rei participaria ao seu lado, assustados pelo perigo a que ele se arriscava, logo tentaram dissuadi-lo dizendo-lhe que, se fossem eles os derrotados, nem os inimigos ganhariam tanta honra nem o reino se perderia, mas que se ele se arriscasse tudo se poderia perder ...

O rei respondeu que nunca e em circunstância alguma ele abandonaria os seus, e que onde fossem Portugueses arriscar as suas vidas em nome de Deus e da Pátria não poderia o seu Rei ficar atrás!

E escureceu a noite de sexta-feira, mandou el rei montar a Cavalo e partiram para Santarém em silêncio.

Próximo da vila meteram-se por um vale, tão perto dos muros, que podiam escutar os vigias Mouros, quando uns despertavam outros. Aqui permaneceram algum tempo, com os cavalos seguros pela rédea, aguardando o melhor momento para o ataque. Deixando os pagens com os cavalos no vale, partiu o Rei com os seus guerreiros pela fonte de Atamarma. Na dianteira seguia Mendo Moniz, que melhor conhecia o terreno, e logo depois el-rei com o resto da gente. Chegando à parte da muralha menos vigiada, por onde pretendiam escalar, ouviram falar dois mouros na mudança de turno acordando os vigias anteriores. Assim, tiveram de adiar o ataque, esconderam-se nos campos de trigo aguardando que os vigias adormecessem novamente.

Passado pouco tempo, colocaram a primeira escada. Afonso Henriques, era o primeiro a subir com o punhal preso entre os dentes. Parava, escutava, com o olhar agudo, a respiração suspensa: afinal pousava ansioso o pé entre as ameias, e, apertando o punhal nas mãos, cosia-se com os muros. Na sombra não o distinguiam. Caiu sobre o sentinela, e o apunhalou antes que esse pudesse gritar.


- "Manhu? Manhu? (Quem é? Quem está aí?)". Quando perceberam que estavam a ser atacados, gritaram: "Anaçara! Anaçara! (Nazarenos! Nazarenos!)".

Mem Ramires respondeu com o grito de guerra :
- "Santiago e rei Afonso!".

Os Mouros acorreram a todas as portas lutando e defendendo-se com todas as forças que tinham, colocando por vezes em duvida a nossa vitória. Os nossos também tiveram de usar de todas as suas forças e de todo o seu valor, para vencer a oposição dos Mouros, mas eram Portugueses os que ali estavam e com eles estava D. Afonso Henriques. Finalmente, os Mouros que restavam refugiaram-se no Alfam mas foram logo encontrados e tiveram de se render ...

Nesta altura, entre os Mouros existia apenas confusão e espanto em toda a parte, vendo os seus inimigos ocuparem a vila já vencedores: as trevas da noite, os lamentos e prantos das mulheres, os gritos dos fugitivos, o horror da morte, tudo aumentava a perturbação e a desordem. A resistencia tinha cessado, todos os que escaparam à morte estavam presos, e os despojos da vila foram abundantes.

O Alcaide conseguiu escapar-se e, juntamente com outros três cavaleiros, seguiu para Sevilha lamentando-se da perda da sua gente e do lugar.

Assim foi conquistada Santarém no ano de 1147 num sábado de madrugada, sendo esta expedição um dos mais assinalados feitos militares até então, pois com apenas 250 soldados, el rei D. Afonso Henriques conquistou um lugar fortissimo por natureza e arte e defendida por um exército numeroso e experiente na guerra.